A doutrina Secreta da Liberação - O Yoga das Pupilas
Agora gostaríamos de expor a doutrina secreta da libertação não-dual para (o benefício do) asceta (yati) que dominou os sentidos e está preenchida com as seis virtudes, em outras palavras, a quietude e as demais. (1)
Comentário: As seis virtudes honradas nos círculos Vedânticos são: quietude (shama), contenção (dama) dos sentidos, cessação (uparati) dos desejos ou atividade mundana, paciência (titikshâ), controle (samâdhâna) e fé (shraddhâ).
Sempre realizando "Eu sou da natureza da Consciência (cit), "com olhos completamente fechados ou com olhos semi-abertos, olhando para o interior - acima das sobrancelhas – ele, contemplando o Absoluto, o Supremo, na forma de uma multitude de chamas de Ser Consciência Bem-Aventurança, assume a aparência [de luminosidade]. (2)
[Esta doutrina secreta é conhecida como] Târaka [Yoga] porque [permite ao yogue] superar (samtârayati) o grande temor do ciclo de concepção, nascimento, vida e morte. Entender que a psique (jîva) e o Senhor (îshvara) são ilusórios, e abandonar toda diferenciação - como "isso não, isso não" (neti neti) - que permanecer, é o Absoluto não-dual.(3)
Para o alcance deste [Absoluto não-dual] cuidadosa atenção (anusamdhâna) deve ser dada aos Três Sinais.(4)
No meio do corpo existe o sushumnâ, o "canal do Absoluto", com a forma do sol e luminosidade da lua cheia. Originando-se no suporte raiz (mûlâdhâra), ele [i.e., sushumnâ, o canal central] prolonga-se até a "fissura de brahman." No centro do qual [sushumnâ] está a famosa kundalinî, de brilho igual a miríades de relampejos e de membros sutis como o fio de uma fibra de lótus.
Tendo contemplado-a com a mente, uma pessoa é liberada devido à destruição de todo pecado (pâpa). (Se ela contempla incessantemente o esplendor (tejas) ) [de kundalinî] pela virtude de brilhar adiante de Târaka Yoga, numa área específica (mandala) na testa (lalâta), ela é um adepto. Então o som phû é produzido nos dois buracos de seus ouvidos, [que devem ser] tapados com as pontas dos dedos indicadores. Então contemplando em [um elevado] estado da mente aquela região [na forma de] uma luz azul localizada entre os olhos, olhando para o interior, ele alcança bem-aventurança indistinguível. Assim, ele deve observar em seu coração. Tal é a percepção do Sinal Interno a ser praticado pelos buscadores após a liberação. (5)
Agora [segue] a percepção do Sinal Externo. Se ela percebe em frente ao nariz, a [uma distância de] quatro, seis, oito, dez ou doze polegares de largura, em sucessão no espaço (vyoman), que está duplamente dotado com cor amarelo brilhante [e também] na semelhança da (cor) vermelho-sangue, [que às vezes] é como brilho azul ou escuridão (azul), ele é um yogue. No início, há raios de luz na visão da pessoa [praticando este Târaka Yoga] [quando ele está com visão instável relanceando o espaço]. [Se ela] vê isso, é um yogue.
Quando ela vê raios de luz semelhante ao ouro derretido, [ou] no fim do canto externo [de sua vista] ou no solo, esta visão [pode-se dizer estar] estabelecida. Aquele que vê [assim] doze polegares de largura para além de sua cabeça obtém a imortalidade. Se aquele que está firme [nesta visão, em seguida tem] a visão do brilho do espaço em torno da cabeça, em qualquer lugar que estiver, ele certamente é um yogue. (6)
Agora [segue] a percepção do Sinal Intermediário. O [yogue] vê [fenômenos que são] como a roda solar inteira, cintilando, e assim por diante, com as cores da manhã, [ou então] como um grande incêndio [ou] como [a difusamente iluminada] “região do meio” (antarîksha) carente desse [esplendor definível]. Ele permanece na forma da forma deles. Através da visão que abunda com estes [fenômenos luminosos] ele se torna o espaço (âkâsha) desprovido de qualidades.
[Depois] ele se torna o espaço supremo (parama âkâsha), como escuridão profunda fulgura com a forma radiante do Libertador[i.e., Ser Consciência]. [Depois] ele se torna o grande espaço (mahâ âkâsha) como o incêndio [no fim] dos tempos. [Depois ele se torna o espaço da Realidade (tattva âkâsha) irradiando com suprema luminosidade superior a tudo. [Finalmente] ele torna-se o espaço solar (sûrya âkâsha) semelhante à glória radiante de cem mil sóis. Assim, o espaço quíntuplo, [existente] externa e internamente, [constitui] o Sinal do Libertador. Aquele que experimenta isso, desapegado do fruto [de suas ações], torna-se como o espaço semelhante aqueles [descritos acima]. Portanto ele se torna o Libertador, o Sinal, concedendo o fruto da [Realidade] transmental (amanaska).(7)
Esta [realização do] Libertador é dupla: a primeira sendo o Libertador e a última a [Condição] transmental. Sobre isso há um verso: “Este [Târaka] Yoga é conhecido como duplo, consistindo de uma [forma] que precede e uma [forma] que sucede, em que a precedente é conhecida como o Libertador e a [Realidade] transmental como a que sucede.= 221; (8)Nas pupilas (târa), no interior dos olhos, há uma réplica do sol e da lua. Através das pupilas (târaka) [acontece] a percepção dos discos solar e lunar, como se estivessem, no macrocosmo, e há [um correspondente] par de discos solar e lunar no espaço, no meio da cabeça, como o microcosmo.
Tendo aceitado isso estes [globos internos, solar e lunar devem ser] percebidos através das pupilas. Aqui [o yogue] deve também meditar, a mente conectada, olhando os dois como idênticos, [porque se] não houvesse conexão (yoga) entre estes [dois níveis de realidade], também não haveria lugar para a atividade dos sentidos. Portanto o Libertador pode ser alcançado somente com introspecção.(9)
Comentários: Esta passagem introduz a pedra angular da filosofia esotérica, isto é, a idéia de que o macrocosmo e o microcosmo são imagens espelhadas um do outro. Aqui o yogue é solicitado a experimentar a identidade deles diretamente através da introspecção, ou visão interior (antar drishti). Também há um trocadilho nas palavras târa (“pupila”) e târaka (“libertador”). Este Libertador é duplo: o Libertador com e o Libertador sem forma.=221; Aquele que “termina” com os sentidos é “com forma”. Aquele que transcende o par de sobrancelhas é “sem forma”. Em cada caso, para determinar a importância interna [de uma coisa] é desejável a aplicação de uma mente controlada.
[Similarmente], por meio de Târaka [Yoga], através da visão daquilo que está para além [dos sentidos], com uma mente conectada e através da introspecção (antar îkshana), [o yogue descobre] o Ser Consciência Bem-Aventurança, o Absoluto em sua forma inata (sva rûpa).
Portanto [no início] o Absoluto formado de branco brilho torna-se manifesto. Esse Absoluto é conhecido pelo olho, auxiliado pela mente em introspecção. Assim também o Libertador “sem forma” [é realizado]. Através de uma mente conectada, através do olho, dahara e outros [fenômenos luminosos] tornam-se conhecidos. Devido à dependência do processo de percepção, [tanto] externa como internamente, na mente e no olho, é somente através da união do olho, da mente e do Eu que a percepção pode ocorrer. Portanto, mente conectada à visão interior é [instrumento] para a manifestação do Libertador. (10)
Comentários: Em contextos usuais , o termo dahara, mencionado na passagem acima, refere-se a um camundongo ou arganaz/rato silvestre. Deriva-se da raiz verbal dabh, significando “ferir” ou “falsear”. Entretanto, nesta aplicação esotérica, uma derivação mais provável é da raiz dah, significando “queimar”. Provavelmente refere-se ao minúsculo espaço no coração que, desde tempos ancestrais, é considerado o locus do Eu transcendental brilhante. Este dahara é também mencionado no Kshurikâ Upanishad (10) traduzido abaixo.
O olhar [deve ser fixo] na caverna, no ponto entre o par de sobrancelhas. Por estes meios, o brilho que se situa acima, torna-se manifesto – isto é Târaka Yoga. Tendo bem conjugado, com cuidadoso esforço e com uma mente conectada no Libertador com [a mente], [o yogue] deve elevar um pouco o par de sobrancelhas. Este é o primeiro [tipo] of Târaka Yoga. O segundo, entretanto, é sem forma e diz-se que é transmental. Há um grande raio de luz na área acima da raiz do palato. Isso pode ser contemplado pelos yogues. E daí surge o poder de miniaturização (animan), e assim por diante.(11)
Comentários: o poder de “miniaturização “(animan), ou o de se tornar tão pequeno como um átomo (anu), é um dos oito poderes (siddhi) paranormais clássicos atribuídos aos adeptos.
Quando há a visão do Sinal Externo e do Sinal Interno, [os olhos sendo] destituídos do [poder de] fechar e abrir — este é o verdadeiro shâmbhavî mudrâ. Por ser uma residência provisória, para os conhecedores que “montaram” este selo (mudrâ), a terra torna-se purificada. Através da visão destes [adeptos], todas as esferas (loka) tornam-se purificadas. Aquele a quem é concedida [a possibilidade de prestar] homenagem a tais grandes adeptos este também é libertado [do ciclo de existência condicionada]. (12)
Comentários: para uma descrição do shâmbhavî mudrâ consulte A Tradição do Yoga, Capítulo 18.
O brilho radiante do Sinal Interno é a forma inata (sva rû pa) [da Realidade não-dual]. Através da instrução de um mestre superior o Sinal Interno torna-se a luz radiante das mil [pétalas do lótus na coroa da cabeça], ou a luz da Consciência (cit), na caverna de buddhi, ou a Quarta Consciência que se situa no “décimo sexto fim”; (shodasha anta). A visão disso [Realidade suprema] depende de um verdadeiro mestre. (13)
Comentários: Buddhi é a mente superior, o assento da sabedoria. Shodasha anta, ou “décimo sexto fim”, é um centro psíquico, ou espaço, que está dezesseis dedos acima da coroa da cabeça. Este locus psico energético oculto também é mencionado em alguns textos do Shaivismo da Kashemira.
Um mestre [verdadeiramente competente] é bem versado nos Vedas, um devoto de Vishnu, livre de inveja, puro, um conhecedor de Yoga, e concentrado em Yoga, tendo sempre a natureza de Yoga.(14)
Aquele que está equipado com devoção a [seu próprio] mestre, que é especialmente um conhecedor do Eu – aquele que possui estas virtudes é designado como um mestre (guru). (15)
A sílaba gu [significa] escuridão. A sílaba ru [significa] o destruidor dessa [escuridão].Devido à [habilidade] de destruir a escuridão, ele é chamado de guru.(16)
Só o mestre é o Absoluto supremo. Só o mestre é o caminho supremo. Só o mestre é o conhecimento supremo. Só o mestre é o repouso supremo.(17)
Só o mestre é o limite supremo. Só o mestre é a riqueza suprema. Porque ele é o mestre dessa [Realidade não-dual], ele é o maior mestre maior do que [qualquer outro] mestre.(18)
Aquele que faz com que esta [escritura] seja recitada [mesmo que] uma vez torna-se livre do ciclo [da existência pesarosa]. Nesse instante, o pecado cometido em todos os nascimentos se desfaz. Ele obtém todos os desejos. . [Para tal yogue] há o alcance do objetivo [final] de toda humanidade. Aquele que conhece assim, [verdadeiramente conhece] a doutrina secreta. (19)
Om Shanti ! Shanti ! Shanti !
Aqui termina o Adhvaya Taaraka Upanishad, como contido no Shukla Paksha Yajur-Veda.
traduzido por
Swamiji Shankara Saraswati Maharaj